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Instituto

Alcuíno de York

Cultura, Ciência e Educação à Luz da Tradição

Foto do escritorThiago Brum Teixeira

Trivium: A Arte da Palavra

Atualizado: 1 de out.

Trivium é o conjunto das três primeiras Artes Liberais e trata daquilo que na educação clássica é o mais fundamental, o trivial, o que hoje chamamos de mente humana e seu mais sofisticado instrumento: a Linguagem. A mente é o mesmo que os gregos chamavam de psiqué, que deu origem a palavra psicologia; os latinos denominavam por animae, que em geral se traduz por alma ou mesmo por espírito. A linguagem é o que nos distingue de todos os outros animais, que apesar de terem sua própria forma de expressão, não possuem a capacidade de abstração e raciocínio do ser humano. O que nos faz animais racionais é a linguagem e a razão. Sabemos disso pelo modo que pensamos e nos comunicamos, sendo esta maneira única entre todos os animais, só o homem possui estas duas capacidades mencionadas.


Para os gregos antigos “linguagem”, “razão”, “pensamento”, “palavra” e “verbo” tinham um só nome: Logos. Esta palavra era usava para falar do pensamento, da fala, da linguagem ou mesmo da razão em um sentido geral e mais alto. O Trivium é justamente a Ciência do Logos ou a Arte do Logos, ou seja, a ciência da palavra escrita, falada e pensada. Sendo composto por três artes: Gramática, Retórica e Dialética. Cada uma destas três artes estudam um aspecto do Logos, ou seja, da linguagem e, portanto também desenvolvem um aspecto correspondente em nossa mente (espírito).



Nas Escrituras, precisamente na abertura do Evangelho de João, é dito: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e Deus era o Verbo”. Em latim temos a palavra Verbum e em Grego a palavra Lógos, observando isto, é reforçada a ideia supracitada que, podemos traduzir o termo tanto como “Verbo”, como “Palavra”, como “Razão” ou mesmo como “Linguagem” [1].


Percebemos que há um sentido bem mais amplo e profundo para o Lógos, que compreende o que já mencionamos e inclui também um conceito transcendental de Razão, que se aproxima do conceito platônico de Ideia.


As três artes triviais tem como matéria-prima a Palavra, em todos os seus sentidos, por isso são artes integradas umas nas outras; a Gramática dá ênfase à palavra escrita, a Retórica à palavra falada e a Dialética à palavra pensada. Todavia, não quer dizer que se limitam a estas dimensões, é uma questão de destaque sobretudo.



Em síntese, consonante com os ensinos de Alcuíno de York, o Trivium é um método de compreensão; que se vale da leitura e entendimento dos textos do mundo e do espírito humano, cujo o princípio é ensinar a pensar bem, ler bem, escrever bem e falar bem. É um caminho para o desenvolvimento do ser humano no sentido moral e intelectual e, portanto, ser a base para o desenvolvimento do próprio espírito.


A Gramática do Trivium


A palavra Gramática em sua origem etimológica significa arte das letras, pois grammar vem do grego que significa “letra”. Da mesma forma, temos a palavra Literatura que também é arte das letras, mas se origina do latim, onde litera quer dizer “letra”.


Quando falamos em gramática logo lembramos das regras gramaticais que estudamos na escola: sujeito, predicado, substantivo, adjetivo, preposição, orações coordenadas e subordinadas, ortografia, acentuação e por aí vai. Tudo isso faz parte da gramática, mas não é tudo. No Trivium, gramática envolve principalmente a literatura, ou seja, o que se faz com as letras. A primeira compreende a segunda, com todos os seus gêneros literários, como poesias e narrativa de romance,  e também da crítica literária. A arte das letras envolve a produção e leitura da literatura, e também o estudo e análise do que foi escrito.


Podemos definir gramática como a arte do uso adequado das letras, portando, a arte de falar bem e entender bem o que é dito, também de escrever bem e ler bem o que é escrito. A arte de usar a palavra escrita e falada para ler, escrever, falar e ouvir, compreendendo e sendo compreendido com perfeição, independente de tempo e espaço. A interpretação é a base da gramática, sendo esta a arte da exegese. Em suma, a gramática ensina a ler e compreender o que se lê.


Todo conhecimento se inicia na gramática, ela é o coração do Trivium.  Historicamente é o estudo dos poetas e sua linguagem. A poesia é seu sustentáculo, é o início e o fim da gramática. A educação no Trivium começa na poesia, que é a música da literatura, como Alcuíno de Yorque dizia, o aprendizado de gramática deve começar pelo som [2].


A Retórica do Trivium


O que é Retórica? É a mesma coisa que oratória? De certa forma sim. E porque não usamos a palavra oratória que nos é mais comum? Primeiro, por que a palavra que é usada tradicionalmente é retórica. Segundo, porque oratória dá a entender que se limita a arte de falar, a linguagem falada, e na verdade o discurso retórico também pode se apresentar por escrito. Ou seja, pode ser falado ou escrito. Todavia, desde que entendamos isso, nada nos impede de usarmos a palavra oratória também no lugar de retórica.


Quando falamos a palavra retórica, logo pensamos em persuasão, em convencer o outro e alguns autores até definem retórica dentro de tais limites. Porém, ela é bem mais que isso, é a arte de discursar bem, de falar bem. Faz parte da retórica o conjunto de princípios aplicáveis em um determinado contexto. Estuda o que inspira, o que é útil e aplicável em um contexto especifico.


Se tanto a retórica quanto a gramática são a arte de escrever e falar bem então o que as diferencia? E a gramática também não é a arte de se expressar bem? Então qual a diferença dessas duas disciplinas? Enquanto o bem da gramática há uma ênfase na comunicação dos significados, do conteúdo do que é transmitido, o bem da retórica há uma ênfase em como os significados são transmitidos, desde o estilo, o tom e a moral que influência a qualidade do discurso.


Por exemplo, as figuras de linguagem são um tema da gramática ou da retórica?  Na Gramática, a figura de linguagem é essencial para o entendimento, compreensão, ou seja para a interpretação do significado do texto. Buscando entendê-las para decifrar e descompactar o que está expresso. Já na Retórica, usamos a figura de linguagem não no sentido de expressar algo, mas de amplificar ou intensificar, chamar atenção, para algo que será expresso.


A Dialética do Trivium


A Dialética é por vezes chamada de Lógica. Talvez a segunda palavra, atualmente represente e se aproxima mais do que seja a arte da dialética. É sujeito o termo dialética trazer um entendimento equivocado, uma interpretação que esta ciência seria só algo como os diálogos de Sócrates escritos por Platão. Embora, a Dialética seja a exposição de ideias em suas mais diversas perspectivas, não se limita a isto.


Alcuíno de York define: “Dialética é a disciplina capaz de buscar, definir e discorrer, além de discernir o verdadeiro do falso. A palavra dialética é assim porque nela se examinam as opiniões comumente aceitas.” [3]


Então, a ciência em questão é a arte de expor, de dissertar, de depurar e restringir significados, para que o entendimento entre as pessoas seja dado de forma mais exata e rigorosa. É então a arte da demonstração, de falar ou escrever sobre um assunto de forma rigorosa. Seria a arte de teorizar. Observamos que no Trivium, esta é a arte mais científica.


Tanto a Retórica quanto a Dialética são formas de discurso, de operar a linguagem de diversas formas. Tais diferenças são explicitados por Alcuíno de Yorque:


“A dialética está para a retórica assim como, na mão, o punho fechado está para a palma aberta. Aquela conclui os argumentos numa breve oração; esta pelos campos da eloquência discorre com um verbo. Aquela contrai o discurso; esta o distende. A dialética é mais aguda no descobrimento da matéria; a retórica é mais eloquente para falar o que foi descoberto; aquela visa às pessoas estudiosas; essa frequentemente é dirigida ao povo.” [3]

Dialética e Retórica se distinguem por seus objetivos, enquanto a Retórica visa mobilizar a vontade do ouvinte, a Dialética prioriza atender a razão numa demonstração translúcida. Enquanto a Retórica lida com casos específicos e eminentemente práticos, a Dialética com casos gerais e teóricos. Quando perguntamos o que é a Justiça, a boa resposta dependerá da Dialética. Quando perguntamos se fulano foi justo em determinada circunstância, a boa resposta estará no âmbito da Retórica.




Considerações finais


As três artes tratadas aqui compõe uma unidade que é o Trivium. Com a Gramática aprendemos a nos comunicarmos e entendermos os textos para compreender bem o espírito humano. Com a retórica aprendemos a nos expressarmos, falarmos e aplicarmos a compreensão do espírito humano aprendida na Gramática. Desenvolvendo em nossa conduta, virtudes e o reconhecimento do valor da moral. Com a dialética aprendemos a definir conceitos, a raciocinar bem, a demonstrar com clareza e rigor nosso raciocínio, buscando a verdade olhando um mesmo assunto por diversas perspectivas.


A Gramática está para o poeta e para o escritor, a Retórica está para o líder e para o político, a Dialética para o estudioso, o filósofo e o cientista. Estudar o Trivium é desenvolver-se na Arte da Palavra, o espelho do espírito humano, pois é pela palavra que compreendemos tudo e a nós mesmos. Por tudo isso que, o Trivium é a porta para o conhecimento, o verdadeiro manual de instruções da mente, são os alicerces para empreendermos a incursão nos vastos campos do saber e do conhecimento.


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[1] Grego: “En archē ēn ho Lógos, kai ho Lógos ēn pros ton Theón, kai Theós ēn ho Lógos.” | Latim: “In principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum.

[2] Alcuíno de York. De Grammatica. in: ALCUIN, Opera Omnia, 2 vols. Paris, 1851. (Migne, Patrologia Latina, C, CI).

[3] Alcuíno de York. De Dialetica.  in: ALCUIN, Opera Omnia, 2 vols. Paris, 1851. (Migne, Patrologia Latina, C, CI).

Outras fontes:

Joseph, Miriam. O Trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica: entendendo a natureza e a função da linguagem. São Paulo: É realizações, 2008.

Falcon, Rafael. A Educação do Orador: Tradução anotada do livro II do Institutio Oratoria, de Quintiliano. Novas Edições Acadêmicas, 2016.

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