A Matemática é uma das ciências mais antigas que existem e, segundo Boyer está “originalmente centrada nas ideias de número, grandeza e forma”. Os gregos antigos influenciados por Pitágoras reconheciam que “na natureza tudo é número” e consideravam 4 formas básicas de estuda-los; pela Aritmética, Geometria, Música e Astronomia e o conjunto dessas disciplinas foi chamado de Quadrivium que, juntamente com as disciplinas do Trivium, que são: a Gramática, Dialética e Retórica compõem as 7 artes liberais e eram a base da educação carolíngia.
“O Quadrivium seria o melhor meio de compreender a ordem do universo, enquanto obra primorosa concebida pelo divino arquiteto”
Com essa frase Lopes (2014) sintetiza o interesse mais elevado dos pensadores gregos e tal interesse foi herdado pelos medievais cristãos que viam nos estudo dos números, uma maneira de compreensão integral da palavra de Deus contida nas escrituras.
O que é o Quadrivium
Alguns pesquisadores falam que o termo “Quadrivium” aparece pela primeira na obra De institutione arthmetica de Boécio (489 – 524 d.C). No mesmo documento, o monge explica que
“se o investigador carece dessas quatro partes [Aritmética, Geometria, Música e Astronomia], não poderá encontrar o que e verdadeiro, e sem essa especulação da verdade nada pode ser retamente sabido […] Este, pois e o Quadrivium”.
A afirmação de Boécio sugere a utilização do Quadrivim na busca pela verdade não através de uma pesquisa experimental, mas através do raciocínio abstrato e da interpretação simbólica dos números. Essa mesma ideia é vista em Isidoro de Sevilha (560 – 636 d.C.) quando o mesmo divide a Filosofia em “especulativa” e “prática”, onde a primeira “Eleva-nos acima do visível tornando possível contemplarmos as coisas divinas e celestiais, as quais só podem ser apreciadas com a mente, pois está acima do corpo”.
A Filosofia especulativa por sua vez é subdividida em “Doutrinal”, “Natural” e “Divina” sendo a primeira, definida pelo próprio bispo como “Aquela que investiga a quantidade abstrata” e é nessa subdivisão que o autor enquadra das disciplinas do Quadrivium.
A Aritmética pode ser definida como o estudo ou teoria dos números; a Geometria como o estudo do número no espaço; a Harmonia (ou Música) que, para Platão, representava o número no tempo e a quarta, a Astronomia/Astrologia, o número no tempo e no espaço.
Com essas definições é possível observar que sem a Aritmética não é possível existir as demais disciplinas e o estudo em sequencia se faz necessário, pois o conhecimento adquirido na disciplina anterior serve de base para o estudo da posterior.
Outra observação que pode ser feita é que a Gramática está para o Trivium assim como a Aritmética está para o Quadrivium; enquanto que a primeira é a base para as “Artes da Linguagem” e sem ela não se avança no Trivium, a segunda é base das “Artes dos Números” e, da mesma forma, sem ela não se estuda as demais.
O Quadrivium em York, e as referências de Alcuíno.
Por não ter produzido literatura especifica sobre o Quadrivium, para investigar quais as bases utilizadas por Alcuíno no renascimento Carolíngio é necessário conhecer a sua historia e seus referenciais.
Alcuíno foi instruído na escola de York e nela, seu maior professor era o Venerável Beda (672 – 735 d.C.). Suas grandes obras se tornaram material didático para a grande escola de York e foram levados por Alcuíno às escolas de Carlos Magno. O venerável é reconhecido por obras sobre Aritmética, Música e Astronomia/Astrologia e em especial por seus trabalhos De Tempurum Ratione e De Natura Rerum.
Na escola carolíngia também se utilizou trabalhos de Plínio, o Velho (23 – 79 d.C.) e Macróbio (390 – 430 d.C.) complementados com traduções romanas de Phaenomena de Arato (315 – 240 a.C.) bem como De Natura Rerum e Etymologia de Isidoro de Sevilha “além das tábuas de contagem (Computus), a tradição irlandesa que foi extensamente consultada”.
Outros autores importantes aparecem no catálogo da biblioteca de Reichenau de 821/822 a exemplo; Boécio sobre Aritmética, Música e Geometria além dos livros de Vitruvius (81 a.C. – 15 a.C.) arquiteto romano que descreveu em um dos seus livros, a proporções ideais do corpo humano.
Em seu texto Dialogus De Rethorica Et Virtutibus, Alcuino descreve um esquema de subdivisões da Filosofia. As disciplinas que formam o Quadrivium estão subordinadas à Física, definida na mesma publicação como Physis naturi ou física natural. Nesta obra, a Aritmética é definida como “a ciência dos números”, dividindo-se em Astronomia e Astrologia, Geometria (conceituada como “a disciplina que mede as distâncias e tamanhos dos corpos”) e Música (definida como “a divisão dos sons”).
O estudo dos números no período de Carlos Magno possuía três diferentes formas; uma forma mais “pura”, próxima ao que chamamos hoje de teoria dos números; uma abordagem aplicada e uma terceira; mais mística e simbólica.
O que se tem hoje de conhecimento de Aritmética, Geometria, Música e Astronomia com certeza é muito superior ao que se tinha há aproximadamente 1,200 anos. Seria inconcebível nos dias atuais abandonar tudo o que se produziu do século IX em diante, mas o que devemos aprender com os medievais é reconhece da presença de uma inteligência superior na natureza.
_____________________________________________
ALCUINO – Dialogua De Rethorica et Virtutibus, Opera Omnia, 2 vols. Paris, 1851. (Migne, Patrologia Latina, C, CI).
BOÉCIO, A. M. S. De Arithmetica. Manuscrito. Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze. 1872
BOYER, C.B. História da matemática. Tradução de Elza F. Gomide. 2 ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1996.
LOPES, J. F. N. S. T. (2014) “A Escola de Chartres e a Tradição do Quadrivium” Cuestiones Teológicas, No 96, Medelim-Colômbia. ISSN 0120-131X.
MARTINEAU J. (Org) (2014). Quadrivium, As Quatro Artes Liberais Clássicas Da Aritmética, Da Geometria, Da Música E Da Cosmologia. Tradução Jussara Trindade de Almeida – São Paulo. É Realizações. São Paulo, SP.
JOSEPH, M (2008). O Trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica: entendendo a natureza e a função da linguagem. Tradução e adaptação de Henrique Paul Dmyterko – São Paulo. SP. É Realizações, 2008.
EASTWOOD, B. S. (2007) Ordering the Heavens, Roman Astronomy and Cosmology in the Carolingian Renaissance, BRILL, Leiden – Boston.
Comments