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Alcuíno de York

Cultura, Ciência e Educação à Luz da Tradição

Foto do escritorGustavo Bernardino

Entre abismos e belezas: a obra “Os Irmãos Karamazov” de Fiódor Dostoiévski (Parte I)

Atualizado: 1 de out.

A obra de Fiódor Dostoievski é de tal maestria que é difícil resenhar a extensão e profundidade que a narrativa expressa: O drama humano sobre a terra. Ancestral, além-fronteiras, abissal e sublime. Sim, este mesmo drama que se desenrola no tempo de vida de cada um de nós. Como pode uma estória narrada na Rússia do século XIX ressoar profundamente em diversas nações, em diversas mentes, impactar realizações futuras de brilhantes escritores e pensadores? Assentar novas bases para a psicologia? Nietzsche até afirma que ele “é o único psicólogo com que tenho algo a aprender; ele pertence às inesperadas felicidades da minha vida”.


Não é por mero requinte de eruditismo que se declara que Irmãos Karamázov tem valor universal, mas sim porque o Senhor desta dimensão, o Tempo, revela-nos a durabilidade da obra. Em duzentos anos ainda terá validade e tocará a alma dos viandantes do mundo das letras. Aqui já foi tratado em profundidade o tema de como a cultura se fundamenta nas obras que flertam com a eternidade, no texto Educação Liberal III: o ensino clássico.


Irmãos Karamázov é obra arquetípica que desvela a estrutura dual à qual nos submetemos, os terríveis abismos da alma e os sublimes campos celestes aos quais ela quer elevar-se. Os sentimentos fugazes, as ânsias, os medos e ao mesmo tempo o desejo indizível e pulsante de se eternizar. Dostoiévski narra de pouco em pouco os nossos ciclos e interregnos sob o Sol: ficamos sempre entre a vida que é a “vaidade das vaidades” como afirma o Eclesiastes, e a esperança de ver a vida verdejante, aquela que é mais viva, vivíssima no centro de nós.


Quando eu concluí a leitura desta obra vi-me em lágrimas. A última cena de Aliocha emerge como uma pequena chama de esperança. que vai crescendo até a conclusão da obra. A estória toda arrebatou-me subitamente e ouvi uma canção principiar em mim, no fundo de algum quintal perdido e ensolarado da infância, no fundão de tudo da memória. Vislumbrei num lampejo meus pecados, vislumbrei belezas que ajuntei pelas estradas através dos anos. Por um instante possui-as todas. Vi a maldade dos homens e reconheci a minha própria, as minhas revoltas e impropérios perante o Cosmos, a minha distância da Perfeição. Senti também a necessidade de ascender-me, de ter galope virtuoso, um sempre-em-frente apesar das sombras. Tomou-me a gratidão de estar vivo, e de ser compositor da minha vida.


É por isso que devemos ler as grandes obras, concluo. Não para bater no peito e dizer: “Vejam como sou requintado, culto, e estou acima do mar de lama no qual se encontra a nação! Pobres almas em estado deplorável, nas trevas da ignorância e, agora, eu, senhor de mim, pairo acima de tudo pela posse destas obras!” Não se trata disso. Trata-se de acolher e aninhar a leitura, fazer céu em nós para as grandes revoadas interiores. Mergulhar-se para dentro de si, abrir moradas onde antes era só vazio, ver vastidões, planícies infinitas do mundo da imaginação. As palavras dispostas em ordem harmônica são a alavanca que elevam nosso espírito, proporcionam um mergulho para o fundo de si e um salto para o cume do entendimento purificado.


Quando concluímos uma obra desta envergadura resta-nos apenas um se ser pequeno, um sentimento de que ainda há grandes paisagens por sorver, grandes horizontes a conquistar.

Também não se trata de saber exatamente o contexto político e social russo da época, nem de esquadrinhar e classificar Dostoiévski em uma escola literária. Talvez nem de ler este texto, o qual escrevo por necessidade de escrevê-lo. Isto tudo é acessório. Trata-se sim da Busca. Se possuirmos a mesma intenção, irmanaremo-nos nestas letras em Busca daquilo que está no Alto-de-Tudo. E é nisto que se baseia a intelectualidade. Conhece-te a ti mesmo será sempre a máxima. E esta viagem interior não deve ser feita com esta “pressa indecente” de nossos tempos, como dizia Nietzsche, mas adotando o passo da natureza, que segue sua mestra Paciência. Melhor pois que sigamos o conselho de Ortega y Gasset “Camino lento, no te apresures, que el único lugar a donde tienes que llegar es a ti mismo”.


A Cultura, se não servir para o Auto-Exame, para refletir o “ser-se” e o Ser, não é mais do que informações e amontoado de letras, livros mortos numa estante empoeirada. O esforço deve ser mergulhar-se no Ser. Descobrir-se. Desvelar o enigma que tu és. Se nada mais, então isto. Através da palavra buscarmo-nos. Finquemos pois nossas raízes nos reinos da alma.


Na Parte II aprofundaremos a estrutura de “Os Irmãos Karamazov”, por fim. Para entender como as partes conexionam-se com o todo, como se unificam numa das mais belas frases de Dostoiévski, e que considero a essência da obra: a batalha do Diabo e de Deus, que tem por campo de batalha o coração dos homens.


Gustavo Bernardino é graduado em Economia e Mestre em Administração e Negócios pela UFMS, fellow da Fundação Alexander von Humboldt. Seu foco é no desenvolvimento de pesquisas na área de finanças e sistema bancário. Atualmente é empresário, desenhando e executando projetos na área de empreendedorismo na Alemanha, e é também consultor de internacionalização de negócios com foco no Brasil, Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.


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