As Guerras da Saxônia
- Isabela Abes Casaca
- 13 de abr. de 2017
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de dez. de 2024
Das muitas campanhas de Carlos Magno, provavelmente as Guerras da Saxônia foram uma das mais desafiadoras. Por conta de sua longa duração – 33 anos – exigiram paciência e perseverança do rei franco. Todavia, antes de adentramos nesta história vale conhecer os antecedentes históricos dos saxões: Estes eram uma confederação de tribos germânicas e pagãs, que viviam no atual noroeste da Alemanha e leste da Holanda, ou talvez na própria Jutlândia. Receberam esta nomeação por conta da “sax” (scramasax), que significa faca ou objeto cortante.

No século V, migraram para a ilha da Bretanha, local onde habitavam os bretões, povo de origem celta que há muitos anos adotara o cristianismo como religião. Sabe-se que o cristianismo chegara aos bretões vindo da Gália durante o século IV, enraizando-se mais tarde entre os povos celtas da Irlanda, graças, em parte, aos esforços de um pregador que seria lembrado como São Patrício. Contudo, as invasões subsequentes dos saxões apagaram a influencia do cristianismo na Bretanha, o que sobrara da religião cristão foi dirigida pela Igreja na Irlanda.
Este embate entre saxões e bretões ganhou contornos lendários no Ciclo Arturiano, que conta como o rei Artur, portando Excalibur, auxiliado pelos Cavaleiros da Távola Redonda e pelo mago Merlin, resistira aos terríveis guerreiros saxões, que recorrentemente são descritos como ferozes, implacáveis e sanguinários. Tais estórias são envoltas em misticismo celta-cristão, sendo a busca do Santo Graal sua maior saga. Muito embora seja uma admiradora deste ciclo literário, devido sua grande riqueza, não me estenderei neste tema. Finalizo dizendo que, tal qual Carlos Magno, Artur Pendragon ficou gravado na memória popular e é um personagem notável.
No fim do século VII, não satisfeitos, os saxões continuaram suas invasões pelo continente europeu, ameaçando os povos Francos e Lombardos, estes já cristianizados, com estruturas sociais e governamentais de origem romana. Viduquindo (ou Widukind), um chefe e guerreiro saxão, com seus comandados, empreendia vários saques e pilhagens nas fronteiras do reinado franco. Einhard, o biógrafo do pai da Europa, relata:
“Os saxões eram um povo selvagem, devoto à adoração de diabos e hostil à nossa religião, e não consideravam uma desonra transgredir e violar toda a lei, humana e divina. (…) É difícil dizer quão freqüentemente eles foram conquistados e humildemente submetidos ao rei, prometendo fazer o que lhes era imposto sem hesitação; seus reféns foram requisitados e entregues, e eles receberam os oficiais enviados pelo rei. Algumas vezes eles se encontravam tão enfraquecidos e diminuídos que prometiam renunciar à adoração dos diabos e adotar o cristianismo, mas estavam mais preparados para violar esses termos do que aceitá-los prontamente”(1).

Não restou a Carlos Magno outra alternativa senão a guerra pois, além da desordem, estes promoviam sacrifícios humanos e barbaridades inimagináveis. Na crônica “Atos dos Bispos da Igreja de Hamburgo” (Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum), o cronista alemão Adão de Brema, relata que os sacrificados eram penduradas em uma árvore chamada Irminsul: “Há um festival em Uppsala a cada nove anos (…) O sacrifício é como a seguinte descrição: São oferecidas nove vítimas. Os saxões creem que o sangue delas é capaz de apaziguar os deuses. Seus corpos, além disso, são enforcados em um bosque que é adjacente ao templo. Este bosque é tão sagrado para os saxões que as árvores dele são tidas como santas por causa da morte ou putrefação das vítimas sacrificiais. Há até cães e cavalos pendurados ao lado de seres humanos.”

No ano de 772, Carlos Magno fez sua primeira expedição na Saxônia e destruiu Irminsul, símbolo da resistência do paganismo saxônico e local de reunião dos pagãos, que lhe faziam oferendas após cada vitória. Em 782, acontece uma rebelião saxã, que resultou na Batalha de Süntel; inflamados e chefiados por Viduquindo, os rebeldes atacaram um destacamento de emissários de Carlos, que, logo sabendo do acontecido, reuniu seus guerreiros e foi até o lugar. Então, deu-se o fatídico Massacre de Verden, 4.500 saxões foram decapitados por sua rebeldia, entretanto o chefe da rebelião já fugira para a Nordmannia. Obviamente, a notícia destas mortes não nos provoca felicidade, contudo diante da condições extremas, não restara outro meio para conter os saxões.

Enfim, no ano de 785, Viduquindo rendeu-se a Carlos Magno e converteu-se ao cristianismo, batizando-se. Porém, o caminho para a cristianização dos saxões apenas começara. Foi preciso a edição de uma lei de exceção pelo rei, chamada “Primeiro Capítulo Saxão” (Capitulaire De partibus Saxoniae), a fim de coibir a rebeldia e as práticas pagãs, como sacrifício humano e o canibalismo(3). Em 797, esta legislação chega ao fim; porém somente no ano de 804, aconteceu a efetiva conversão dos saxões ao cristianismo. E, em 843, é criado o Ducado da Saxônia.
A conquista dos Saxões colocou um fim na ameaça permanente que eles faziam pesar sobre a segurança do reino franco e do cristianismo. Garantindo a cristandade um futuro seguro e próspero.
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(1) EINHARD. “Vita Caroli Magni“. | Vita Karoli Magni
(2) BREMA, Adão de. “Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum” | Francis Joseph TschanTSCHAN, Francis Joseph. “History of the Archbishops of Hamburg-Bremen“.
(3) MAGNO, CARLOS. “Capitulatio de partibus Saxoniae” | “Capitulary for Saxony“
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